Por que a sua atenção é hoje o ativo mais caro da empresa

Gestores, líderes e investidores lidam com a mesma questão todos os dias: onde investir tempo, energia, dinheiro e talento. O problema não é falta de informação. É excesso.

A Lei da Trivialidade, formulada por Cyril Northcote Parkinson nos anos 1950, explica esse desvio de foco. Diante de temas complexos, as pessoas tendem a gastar mais tempo nas decisões simples, nas conversas que dão sensação de domínio. É mais confortável discutir o layout do slide do que a estratégia de dados. Mais fácil debater se a IA “vai tirar empregos” do que decidir onde a IA já deveria estar rodando hoje.

Na era dos agentes e assistentes de IA, esse efeito ganha escala. A questão deixa de ser apenas “com o que eu gasto tempo” para se tornar “quem está filtrando o que chega até mim”.

Este texto é um convite para gestores que querem recuperar esse filtro.


O que é a Lei da Trivialidade na prática

O Efeito Bike Shed surgiu de um exemplo simples: um comitê gasta poucos minutos aprovando a construção de um reator nuclear, tema complexo e técnico, e horas discutindo a cor do bicicletário ao lado da usina. Todos se sentem habilitados a opinar sobre o bicicletário. Quase ninguém quer se expor no tema nuclear.

Nas empresas, a dinâmica é parecida:

  • O board aprova um orçamento relevante para IA sem discutir em profundidade a estratégia de dados.

  • Times passam semanas debatendo o nome do chatbot enquanto decisões sobre governança, risco e uso real de IA seguem sem dono.

  • Reuniões discutem “se o layout da tela está bom” enquanto a jornada do cliente continua quebrada.

O custo oculto está na atenção. Cada hora de uma liderança gasta em temas triviais rouba tempo de decisões estruturantes: onde a IA precisa atuar, quais processos são prioritários, que dados importam, que métrica define sucesso.


Como a IA amplifica o problema

A promessa de IA é clara: automatizar o trivial para liberar o humano para o estratégico. Só que, sem direção, acontece o oposto. A IA vira fábrica de ruído.

Alguns sinais disso:

  • Agentes de IA produzindo relatórios diários que ninguém lê.

  • Modelos gerando dashboards que não se conectam com decisões de negócio.

  • Assistentes respondendo perguntas genéricas sobre o mercado, sem foco em problemas reais da empresa.

O resultado é um cenário paradoxal: mais tecnologia e menos clareza. Mais dados e menos foco. Mais “atualizações de IA” e menos transformação concreta. Do ponto de vista da MATH, IA sem propósito, governança e dados confiáveis não passa de automação do caos. É o mesmo bike shed, só que acelerado por máquinas.

Se você ainda não leu, vale conectar este conteúdo ao artigo sobre IA com propósito e governança no blog da MATH, que aprofunda o risco de construir iniciativas em cima de estruturas frágeis de dados e decisão.


Três perguntas para recuperar o foco

Antes de entrar em frameworks ou ferramentas, a mudança começa por uma disciplina simples. Toda iniciativa que envolve IA, dados ou automação precisa responder, com clareza, a três perguntas.

1. Qual problema central de negócio esta iniciativa resolve

Não “explorar IA”. Não “aprender com agentes”. Problema concreto.

  • Reduzir churn em um segmento específico.

  • Aumentar aprovação de crédito sem elevar inadimplência.

  • Diminuir o tempo de atendimento em um canal crítico.

Se a resposta não é clara, a iniciativa é ruído.

2. Que decisão ficará melhor por causa disso

IA que não melhora decisão vira enfeite tecnológico.
Pergunte: que decisão concreta ficará mais rápida, mais precisa ou mais barata se esse projeto der certo.

  • Aprovar ou não um crédito.

  • Priorizar ou não uma carteira de clientes.

  • Abrir ou não um novo canal de atendimento.

Se não há uma decisão associada, o projeto tende a gerar relatórios, não impacto.

3. O que deixo de fazer ao escolher isso

Toda escolha consome orçamento, pessoas e atenção.
Se a iniciativa não justifica o que está sendo adiado, reeavalie.

Essa lógica vale tanto para um projeto de IA quanto para um comitê sobre “inovação”. 


Como usar IA para proteger a atenção

IA pode ser vilã do foco, mas também pode ser aliada. A diferença é o desenho do sistema.

Alguns movimentos práticos para gestores:

1. Crie agentes para filtrar, não para produzir mais ruído

Em vez de um agente que gera relatórios sem fim, desenhe um agente curador que:

  • Consolida dados de fontes distintas em um único painel de decisão.

  • Destaca apenas variações relevantes em relação a metas e OKRs.

  • Conecta cada insight a uma ação sugerida, sempre com espaço para revisão humana.

É IA como filtro de sinal, não como geradora de mais conteúdo.

2. Use assistentes de IA para preparar decisões de alto impacto

Antes de uma reunião de comitê, um assistente pode:

  • sintetizar a história dos indicadores-chave daquele tema;

  • simular cenários com base nos dados da empresa;

  • organizar argumentos pró e contra cada decisão.

O objetivo não é decidir no lugar da liderança, mas elevar a qualidade da conversa. Menos debate sobre detalhe operacional, mais discussão sobre trade-offs reais.

3. Desloque microdecisões operacionais para agentes

Agentes podem assumir:

  • testes A/B de cópia em canais digitais;

  • ajustes finos em campanhas de mídia com base em regras claras de ROAS e CPA;

  • respostas a dúvidas recorrentes em squads, a partir de documentação interna.

Cada decisão operacional que sai da agenda do gestor abre espaço para decisões de portfólio, orçamento e modelo de negócio.


Rituais de atenção para lideranças em tempos de IA

Estratégia não se mantém sozinha. Precisa de rituais.

Algumas práticas simples, que podem ser apoiadas por agentes e assistentes de IA:

  • Agenda de foco semanal
    Uma vez por semana, um assistente consolida tudo que foi aberto como “prioridade de IA” e organiza em três blocos: o que gera receita, o que reduz risco, o que melhora eficiência. A liderança decide onde colocar energia na semana seguinte.

  • Revisão mensurável de iniciativas de IA
    Em ciclos trimestrais, um agente analisa os projetos ativos e responde a três perguntas objetivas:

    1. Qual resultado concreto foi medido.

    2. Que decisão melhorou.

    3. Se a iniciativa continua, pausa ou termina.

  • Limite de projetos simultâneos
    É mais saudável ter poucos projetos de IA em produção, com governança clara, do que dezenas em piloto que nunca saem do lugar. A IA ajuda a ranquear, mas a decisão de cortar é humana.

Se o tema de governança e priorização de IA ainda é novo no seu time, vale escutar episódios do DoTheMATH que discutem tomada de decisão baseada em dados e uso responsável de IA em negócios reais.


O que muda quando a atenção vira métrica de gestão

Quando um gestor passa a tratar a própria atenção como ativo medido, algumas mudanças aparecem rápido:

  • Reuniões passam a ter menos pauta tática e mais decisão estratégica.

  • Projetos de IA deixam de nascer da curiosidade pela tecnologia e passam a responder a objetivos de negócio.

  • Agentes de IA deixam de ser “brinquedos de time” e se tornam parte do fluxo operacional, com guardrails e governança.

Aceitar o “missing out” deixa de ser medo e vira estratégia.
Dizer não ao ruído passa a ser condição para liderar no próximo ciclo de IA.

No fim, os melhores gestores não controlam a tecnologia. Controlam onde colocam foco. O resto é consequência.

Aprofunde seus conhecimentos

 

Marcel Ghiraldini
Post by Marcel Ghiraldini
Dezembro 16, 2025
Chief Growth Officer na MATH